quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A LITERATURA COMO FERRAMENTA INTERDISCIPLINAR NO ENSINO DE GEOGRAFIA

A LITERATURA COMO FERRAMENTA INTERDISCIPLINAR NO ENSINO DE GEOGRAFIA1
OLIVEIRA, Alan C. Araújo de2
MOURA, Aparecido Roberto de3

RESUMO: Nos últimos anos, a Geografia tem buscado em outras áreas um trabalho interdisciplinar, lançando mão de outras fontes de informação e redescobrindo na Literatura um instrumento que provoque interesse e proporciona curiosidade sobre a leitura do espaço e da paisagem. O presente texto busca contribuir para a utilização de vários recursos no ensino de Geografia, permitindo realizar relações interdisciplinar. Poemas, romances e crônicas são um material valioso para mostrar, por pontos de vistas diferentes, como o homem e o ambiente interagem. A importância de construir um ensino interdisciplinar reside na integração do ensino à realidade, formando alunos capazes de compreender a sociedade da qual fazem parte como indivíduos.
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Palavras-chaves: geografia, literatura, paisagem, ensino, texto, poema “Morte e Vida Severina”.


A LITERATURA COMO INSTRUMENTO INTERDISCIPLINAR NO ENSINO DE GEOGRAFIA

Até bem pouco tempo a Geografia começou a refletir sobre o impensável. Hoje, muitos trabalhos se debruçam sobre a arte em geral colocando em cena a relação entre a Geografia e a Literatura, o que vem abrindo muitas possibilidades de pesquisa. O uso da Literatura, da arte em geral também se faz presente em outras disciplinas, pois muitos dos conteúdos estão interligados.
Nos últimos anos, varias pesquisas com base na produção literária, vem contribuindo com o Ensino de Geografia, abrindo possibilidade de um entendimento real e objetiva a partir da inter-relação entre a linguagem científica e a linguagem artística. O geógrafo tem o papel de produzir matérias que busque explicar a espacialidade de uma escala, e esse processo pode ser enriquecido com a

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¹ Artigo elaborado como proposta pela disciplina [...], ministrada pela profª. [...], da Especialização [..], da Universidade Estadual de Londrina.
Literatura, que se torna ferramenta para o exercícios geográficos, ao fornecer uma síntese sobre uma realidade ou um determinado lugar. Para Brosseau, as informações que os textos literários os poemas e romances, apresentam, são de grande importância dos para a Geografia, pois, as representações feita pelos autores e sua capacidade em reproduzir as paisagens com grande objetivo valorizam as paisagens, os lugares e os homens, servindo de ferramenta para o exercício geográfico, ao fornecerem uma síntese sobre os lugares. (Brosseau,1996).
O lugar, para Tuan (1983, p. 14), “é uma concreção de valor, embora não seja uma coisa valiosa, que possa ser facilmente manipulada ou levada de um lado para o outro; é um objeto no qual se pode morar, isto quer dizer que o lugar é um mundo de significado organizado”.
De acordo com PCN's (1999, p.39/40) a Geografia é em si um saber interdisciplinar, abandonou sua posição de se constituir como uma ciência de síntese, ou seja, capaz de explicar o mundo sozinha, por isso busca a necessidade de relacionar-se com outras ciências, ultrapassando seus limites conceituais sem, no entanto perder sua identidade e especificidade. Na sua busca por pensar o espaço enquanto totalidade, de estabelecer uma unidade na diversidade e de abrir outras possibilidades mediante a visão de conjunto a Ciência Geográfica pode ajudar a romper a fragmentação factual e descontextualizada.
Para trabalhar os textos literários em Geografia, o professor precisa definir os objetivos da leitura e escolher as publicações que melhor se adaptem aos conteúdos a serem ensinados. Os pontos que serão focados devem estar claros. Definido o livro, há duas opções: usar a obra para finalizar o estudo de um assunto e ilustrar os conteúdos que a turma aprendeu nas aulas anteriores ou apresentá-la aos alunos para dar início à discussão de um tema que será aprofundado com o apoio do livro didático.

ABORDAGEM SOBRE O AUTOR E SUA OBRA
Este texto está direcionado ao poema de João Cabral de Melo Neto “Morte e Vida Severina”, que conta a saga do retirante Severino ao deixar o sertão da Paraíba em busca de um futuro melhor na capital, monstrando-nos além da descrição da paisagem, os detalhes sobre a vida da população.
O poema Morte e Vida Severina é um Auto de Natal do folclore pernambucano e, tem inspiração nos autos pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura popular nordestina. É o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto. A obra se caracteriza por uma narrativa dramática e pelo uso de uma linguagem lírica, em que apresenta a saga do “povo sertanejo” na pessoa de Severino, personagem-protagonista, um retirante nordestino, que abandona o sertão, em face da opressão econômico-social, rumo ao litoral em busca de sobrevivência.
Morte e Vida Severina foi escrito entre 1954-55, por encomenda pela diretora do teatro Tablado do Rio de Janeiro, Maria Clara Machado, pedira que João Cabral de Melo Neto escrevesse algo sobre retirantes. O poeta escreveu, então, um grupo de poemas dramáticos, para "serem lidos em voz alta" e os dedicou a Rubem Braga e Fernando Sabino, "que tiveram a idéia deste repertório". Na obra João Cabral traça uma linha dorsal de Pernambuco, passando por todas as paisagens nordestinas: sertão, agreste e zona da mata, até chegar no litoral.
Cabral se autodenominava, “poeta do concreto”, como procura sempre falar das coisas que têm materialidade como paisagens e objetos; era avesso às abstrações típicas das poesias líricas e românticas. Com um estilo assumidamente frio, racional e antilírico, o autor, que viveu por mais de quarenta anos a serviço da carreira diplomática, o que o levou a morar em locais como Espanha, Suíça, Paraguai, Senegal, Equador, Portugal entre outros, jamais esqueceu suas raízes pernambucanas. O poeta produziu sua obra a partir da memória, o que dotou sua produção de representações poéticas lembradas, levando o Pernambuco, o Recife e o Capibaribe para o mundo.

VALORIZAÇÃO DO LUGAR NA VISÃO DO AUTOR
Ao observarmos o texto, sem uma análise profunda, encontramos metáforas que serve como elementos de decodificação dos processos de reprodução social que se utiliza a paisagem como importante meio de comunicação. As percepções que os indivíduos, grupos ou sociedades têm do lugar nos quais se encontram e as relações singulares que com ele estabelecem fazem parte do processo de construção das representações de imagens do mundo e do espaço geográfico. Tuan (1983, p. 40) acrescenta que “os lugares, assim como os objetos, são núcleos de valor, e só podem ser totalmente apreendidos através de uma experiência total englobando relações íntimas, próprias do residente, e relações externas próprias do turista”. O lugar torna-se realidade a partir da nossa familiaridade com o espaço, não necessitando ser definido através de uma imagem precisa, limitada. Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar. As vivências e a memória dos indivíduos e dos grupos sociais são, portanto, elementos importantes na constituição do saber geográfico. A paisagem sempre foi um elemento constante, a representação do concreto, talvez pela sua imagem, os aspectos materiais concretos nelas contidas, permiti a visualização e materialismo dos sistemas culturais de uma dada ordem social. Por seu fascínio e busca do racional e do concreto, a paisagem, a geografia e a história serviram a João Cabral como forma de tornar sua poesia localizada, correspondendo a fatos e lugares, além de ajudar a dar visibilidade, produzindo imagens a partir de imagens. Neste poema, podemos encontrar não só a paisagem e a geografia nordestina, como também os aspectos levantados anteriormente, como a relação de Cabral com o Capibaribe, com Recife e com Pernambuco.

CARACTERÍSTICAS DAS POESIAS DE JOÃO CABRAL
As características da poesia de João Cabral, embebida de uma preocupação com o concreto e de dar corpo, dar imagem ao pensamento, são um primeiro convite a um olhar geográfico. A paisagem e a própria geografia, enquanto espacialidades, estão presentes em toda a sua obra. Especialmente naquelas que falam ou se referem à sua terra natal, o poético emerge do material, assumindo feições telúricas, e por isso uma espacialidade sempre está implícita e, em grande parte das vezes, explícita.
O texto apresenta verso heptassilábico chamada medidas velhas. A rima conduz à estrofação regular (que sempre foi uma característica de poemas compostos com versos isométricos) , por exemplo:

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

A temática está na sua linha narrativa, que seguem dois movimentos que aparecem no título: "morte" e "vida". No primeiro, temos o trajeto de Severino, em direção a Recife, representando a força coletiva de uma personagem típica: o retirante nordestino. No segundo movimento, o da "vida", o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais, ao contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no homem, em sua capacidade de resolver os problemas sociais. Estruralmente o texto está dividida em 18 partes; no entanto, outra divisão muito nítida pode ser feita quanto à temática: da parte 1 a 9, compreende-se o caminhada de Severino até o Recife, seguindo sempre o rio Capibaribe, ou o "fio da vida" que ele se dispõe a seguir, mesmo quando o rio lhe falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol. Da parte 10 a 18, o retirante está no Recife ou em seus arredores e sofridamente sabe que para ele não há nenhuma saída, a não ser aquela que presenciou no percurso: a morte.
Os personagens são apresentados de forma direta, por diálogos e monólogos. Em sua caminhada para a cidade, ele encontra os irmãos das almas, que carregando um cadáver, Severino toma o lugar deles, e a partir daí, ele vai descobrindo que é a morte é uma fonte de trabalho e renda na região. Profissões como, enfermeiros, coveiros, farmacêuticos e benzedeiras, são beneficiadas pela indústria da morte. Ao longo de sua trajetória, ele assiste a enterros e cortejos fúnebres, convivendo sempre com situações ligadas à morte. Chegando no Recife, o sertanejo ouve a conversa de dois coveiros que falam sobre os retirantes que chegam para morrer na capital. Chocado e ciente de sua miserabilidade, Severino resolve se suicidar, antes, porém, conversa com José, mestre carpina, a respeito da profundidade do rio Capibaribe. Exatamente nesse momento, o mestre carpina recebe a notícia do nascimento de um menino, fato que trás muita alegria a todos. Severino assiste ao contentamento ante a notícia do recém-nascido, a quem os vizinhos, amigos e parentes, vão levar presentes e adorar como a Cristo. O poema termina com o mestre carpina, respondendo a Severino que a vida do nordestino, mesmo frágil, é uma prova da resistência desse povo e de todos os outros severinos do Nordeste do Brasil que lutam pela sobrevivência.

PROPOSTA PEDAGÓGICA UTILIZANDO A OBRA “MORTE E VIDA SEVERINA”, DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO.
A obra Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto pode ser utilizada com os alunos para demonstrar os aspectos da paisagem do Nordeste, já que na obra, fica evidente a passagem pela Zona da Mata, Agreste, Sertão e Litoral nordestino. Pode-se levar os alunos, através de exercícios, identificar os aspectos deste lugares.
Outra proposta que pode ser feito com este obra, é a relação do homem com o lugar em que vive. Através de Morte e Vida Severina, pode-se criar uma relação entre ambos e demonstrar para os alunos sobre isso. Mostrar também o valor do espaço que o homem vive a ponto de criar uma identidade com o lugar também merece destaque.
Colocando estes exemplos, pode-se aplicar ao aluno como atividade, uma pesquisa sobre a situação do Nordeste em todos os aspectos, seja social, econômico, político e natural, além disso, incentivar os alunos a buscarem outras de mesmo estilo para observarem melhor esta condição. Colocar, também, o Nordeste nos dias de hoje e fazer uma comparação com o Nordeste que está na obra e outros relatos do passado.
Desta forma, utilizando a obra Morte e Vida Severina, pode-se ensinar sobre a região Nordeste em todo Brasil. É só investigar e trabalhar de acordo com o tema.

Plano de aula direcionado aos alunos da 8° série.
Seqüência didática: Migração Nordestina
Objetivos
- Discutir o processo migratório brasileiro por meio de trechos de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
- Ler textos literários para aprender sobre a migração.
- Produzir um mural sobre as migrações.

Conteúdos
- Leitura e interpretação de textos literários.
- Migrações internas.
- Produção de mural.

Tempo estimado: Quatro aulas.
Material necessário

O livro Morte e Vida Severina, cópias dos capítulos: O Retirante Explica ao Leitor Quem É e a Que Vai e Assiste ao Enterro de um Trabalhador de Eito e Ouve o Que Dizem do Morto os Amigos Que o Levaram ao Cemitério e mapas Brasil Político, Uso da Terra no Brasil e Circulação de Pessoas.

Desenvolvimento
1ª etapa
Mostre a capa do livro e peça que os aluno levantem hipóteses sobre a história. O que "Severina" quer dizer? Por que "morte" e "vida" aparecem nessa ordem? Comente sobre a imagem da capa e registre no quadro as impressões da turma. Aproveite para discutir sobre a migração nordestina, perguntando se eles conhecem pessoas que nasceram num lugar e foram morar em outro. Circule o livro e peça que falem sobre o tipo de texto, o gênero literário a que pertence e as características dele. Fale sobre o autor e explique o enredo.

2ª etapa
Distribua as cópias do texto e leia em voz alta o trecho Assiste ao Enterro..., utilizando recursos como paradas, velocidade acelerada ou lenta e sussurros. Discuta o trecho lido e leve todos a interpretá-lo. É um enterro? De quem? Pergunte o significado da palavra latifúndio ali. Construa com eles o sentido global do texto e, em seguida, leia a primeira parte da obra, O Retirante... Resgate as histórias que a turma já ouviu sobre a migração de nordestinos e explore as causas dela.

3ª etapa
Forme grupos e proponha que explorem as informações apresentadas nos mapas Brasil Político, Uso da Terra no Brasil e Circulação Populacional e que estabeleçam relações entre eles. Oriente-os a localizar a Região Nordeste, observar os diferentes usos da terra, relacionar a produção agropecuária com o tamanho das propriedades e identificar o destino da população migrante. Cada equipe deve relacionar a história de Severino às informações encontradas nos mapas e explicar a desigualdade na distribuição de terras no Brasil e as causas dos processos migratórios.

4ª etapa
Com base nas informações e reflexões realizadas, peça que todos montem um mural na sala de aula sobre a migração da população nordestina no Brasil.
Avaliação
Analise a participação da classe durante as atividades de levantamento de hipóteses. Organize uma pauta de observação para acompanhar o trabalho com mapas (sabe ler legendas, identificar elementos do mapa e relacionar informações) e considere a fluência e a compreensão do texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de obras literárias, no caso deste artigo, Morte e Vida Severina, o estudo de espaço, lugar e regionalismo do Nordeste ficam evidente, deixando aprendizado muito mais fácil, além da magia que a literatura proporciona em relação as suas obras. Fica claro a importância e a contribuição que as obras literárias podem dar a Geografia. É só escolher alguma e trabalhar com que ela pode oferecer de cultura e aprendizado.


REFERÊNCIAS
ARALDI, Adriana Rosinha. Construção do conhecimento através da interdisciplinaridade In. REGO Nelson, SUERTEGARY Dirce, HEINDRICH Álvaro Orgs. Geografia e Educação: Geração de Ambiências. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2000.
ATHAYDE, Félix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998. 151p.
BASTOS, A.R V.R. Geografia e Romances Nordestinos das Décadas de 1930 e 1940: Uma Contribuição ao Ensino. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geografia/ USP.1993.
BROSSEAU, M. Des Romains - géographes – Essai. Paris: L'Harmattan, 1996.
KIMURA, S. Caminhos geográficos traçados na literatura, uma leitura didática. Revista Geográfica & Ensino, Belo Horizonte, ano 8, nº 1, p.131-139, jan/dez, 2002.
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Editora Sabiá 1969.
MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina e outros poemas para vozes. 34ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1994.
TUAN, Y. F. Espaço e Lugar. São Paulo: DIFEL, 1983.

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